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Hominídeos do Amanhã

O conto se passa num futuro remoto, a cerca de vinte e cinco milhões de anos, num outro período da era cenozóica. A paisagem do planeta está bem diferente do tempo do Homo sapiens, habitado por novas espécies de animais e vegetais. Montanhas estão despontando, e as que existiam, ou estão um pouco mais altas ou bem menores, devido à erosão. Eras glaciais esculpiram novos vales. Os continentes estão em posições diferentes – a América do Sul está mais para o sul; a Austrália, um pouco mais para o norte; a Califórnia e o nordeste da África viraram ilhas; a América Central se despedaçara, e se tornou um arquipélago e etc.
      Novas civilizações também fazem parte da paisagem; civilizações estas formadas por dois gêneros de hominídeos que de tão diferentes não seriam classificados no gênero Homo, caso o latim ainda existisse.

     
     
Dois hominídeos pálidos, com o uso de suas mentes, levitavam sobre o que outrora fora a costa brasileira. Como esse gênero possui escrita diferente e comunica-se por sinais telepáticos, não há como traduzir os nomes dos personagens, que serão denominados de X e Z, para que os leitores possam melhor identificá-los. Avistaram um morro e foram pousar para descansarem as mentes, pois estão levitando desde a África, com paragens em algumas ilhas oceânicas. Pousaram no Corcovado já com a metade da altitude que tinha, no tempo do Homo sapiens. No pouso, ocasionaram uma revoada de pássaros descendentes do urubu, cujas asas tinham, em média, três metros de envergadura. X e Z permaneceram estáticos – as pernas semi-atrofiadas servem apenas para que os hominídeos do gênero se apóiem no chão.
      Como eles, milhares de peregrinos de todas as partes do planeta estão indo a uma cidade, para virem um grande líder espiritual. De onde estavam, dava para ver a parte de cima da estrutura que cobre a cidade; não se via a parte inferior, por estar além da linha do horizonte. Após descansarem, resolveram, antes de irem à cidade, dar uma volta por uma mata próxima, com o intuito de virem como é a fauna e a flora local. Logo estavam levitando num bosque de bananeiras gigantes, com árvores de quinze metros, em média. Pelo chão, havia dezenas de bananas amassadas; umas maduras, ainda vermelhas e outras já enegrecidas pela podridão.
      Pararam de repente – um bando de símios estava devorando algumas bananas. Apesar de evoluírem do sagüi, assemelhavam-se mais com os extintos chimpanzés. Foram exibindo carrancas e fazendo gestos como que dizendo: “Caiam fora ou se arrependerão”. Os hominídeos se retiraram. Divisaram uma mata colorida – um mosaico nas cores branco, rosa e amarelo, formado basicamente por novas espécies de ipês e imbiúbas. Por precaução, os hominídeos levitavam um pouco acima das copas. Logo se assomou, entre os troncos, um animal semelhante ao urso, mas é um felídeo convergentemente evoluído. Funfucou o ar, sentindo o cheiro de um animal ou dos hominídeos. Visou um grupo que, apesar de evoluírem da ratazana, assemelhavam-se com os didelfídeos (família do gambá). X e Z aproximaram-se para vi-los mais de perto. Os animais, ao avistarem os hominídeos, emitiram sons estridentes; X e Z puseram as mãos nas orelhas e se afastaram céleres. X comunicou-se com Z, sugerindo que fossem logo à cidade. Não demorou e já estavam a quilômetros de altura. Não muito longe deles, havia centenas de quirópteros de hábitos diurnos que costumam voar a grandes altitudes. À medida que iam à cidade, a parte inferior da construção despontava da linha do horizonte, e logo os viajantes estavam diante de uma grande construção, já vendo milhares de hominídeos entrando nela ou saindo.
      Os hominídeos do gênero a que pertencem X e Z não possuem países, mas sim cidades-estado espalhadas por todos os continentes.
      A construção em que irão ingressar possui três pavimentos: no primeiro pavimento, fica o centro da cidade e alguns bairros; no segundo, fica um outro bairro e no último, alguns templos, incluindo residências de hominídeos mais espiritualizados.
      Assim que os viajantes entraram, tiveram a visão de que se tem de todas as cidades: milhares de hominídeos levitando em meio às construções. O hominídeo Z enviou uma mensagem, em código universal, solicitando um guia. Um grupo foi atendê-los, e Z enviou uma mensagem em seu dialeto. Alguém do grupo foi em direção a X e Z, e os demais se retiraram. O anfitrião enviou uma mensagem pedindo que os visitantes o seguissem. Logo os três estavam levitando entre as construções, a centenas de metros do primeiro piso. Abaixo estavam algumas praças arborizadas. Não se via ruas, mas havia alguns largos para quem quisesse pousar. Logo, o anfitrião foi descendo indo a um terraço repleto de hominídeos em pé ou sentados ou vagando a alguns centímetros do chão. Os três chegaram ao chão, e o anfitrião logo enviou uma mensagem de que o local é para os peregrinos, onde eles podiam escolher um chalé, para ficarem durante a estadia na cidade. Após quinze minutos, X abria a porta de um chalé, com uma chave. Entraram, levitando a poucos centímetros do chão. No pequeno imóvel, havia duas camas, um armário, uma pequena geladeira e um sanitário. Os hominídeos tiraram suas mochilas e as colocaram no chão. Deitaram nas camas, com as mesmas roupas da viagem e adormeceram.

     
     
No dia seguinte, a grande praça da cidade estava repleta de peregrinos. Se um Homo sapiens estivesse presente, ouviria até zunidos, devido ao grande silêncio, mas os milhares de presentes se comunicavam. Os que participavam de uma mesma conversa ficavam a menos de um metro um do outro, para que as mensagens chegassem mais fortes aos respectivos cérebros. As mensagens oriundas de conversas de grupos que estavam um pouco afastados chegavam tênues.
      Após três horas, X e Z chegaram a uma área com dezenas de aparelhos em forma de barras repletos de botões e sinais. Os dois peregrinos foram à frente do único aparelho não ocupado. X digitou algumas teclas, e surgiram alguns sinais no visor. No continente africano, uma família estava sentada a uma mesa, almoçando. Um aparelho emitiu sons, e uma fêmea foi a ele. Esta teclou em algumas teclas, e apareceram no visor sinais que traduzindo diziam: “Querida, como estão as coisas aí? A cidade em que estamos é linda e tem arquitetura diferente da nossa. Antes de chegarmos à cidade, resolvemos fazer uma excursão por uma mata. Nós vimos animais e vegetais bem diferentes dos que existem em nosso continente. Acabamos de ver o líder espiritual; após duas horas de mensagens, ele emitiu uma aura, que fluiu para  todos, ocasionando uma imensa sensação de paz e prazer”.
      Após a mensagem, a fêmea digitou alguns códigos, e, no aparelho da antiga América do Sul, apareceram códigos que traduzindo fica: “Querido, ontem o nosso filho deu suas primeiras levitações. Não sei se foi impressão minha, mas o meu cérebro captou sinais que pareciam como “mãe”. Será que ele está já começando a emitir mensagens? Minha irmã veio me visitar, e emanou de suas entranhas uma aura que não foi ela que emitiu. Ela está grávida”.
      Logo depois, Z estava enviando mensagem para o seu lar.

     
     
No dia seguinte, X e Z levitavam sobre o Atlântico, de retorno à África. Abaixo deles, havia diversas ilhas que não existiam na época holocena. Foram pousar numa delas, para descansarem e se alimentarem. Logo, estavam lanchando um tipo de pão e suco de uma nova espécie de uva. Breve, despontou, a algumas centenas de metros, um grande mamífero, que apesar de se assemelhar a uma baleia, evoluiu de um grupo de peixes-boi-da-amazônia que deixou o rio, para viver no oceano. O animal espichou água, impregnou o pulmão de ar e submergiu.
      Após lancharem, cochilaram. Ao acordarem, divisaram, nadando a centenas de metros da ilha, um bando de animais semelhantes a peixes, mas eram aves evoluídas do pingüim; rumavam ao sul, devido ao advento do verão.
      Voltaram a levitar, e logo já estavam a quilômetros de altura. Não muito longe deles, voando em sentido contrário, rumo à América do Sul, havia um bando de aves marinhas que, apesar de lembrarem fragatas, evoluíram dos biguás.
      Horas depois, X e Z divisaram uma nuvem de procela. Subiram mais um quilômetro, e logo já estavam acima da nuvem. Depois de uma hora, a paisagem abaixo deles continuava sendo apenas o gris da nuvem. Z enviou uma mensagem para X, sugerindo que ambos descessem para averiguarem se já estavam acima do continente. Foram descendo, e logo já estavam sendo encharcados. Ambos olhavam para abaixo, não conseguindo avistar nada.
      Repentinamente, um bloco de gelo passou rente a cabeça de X, deixando-o desnorteado, e logo desfaleceu. Um outro bloco atingiu uma das espáduas de Z, e um outro atingiu suas costas, deixando-o inconsciente. Ambos precipitavam em meio à água e gelos. X despertou e olhou ao redor. Logo avistou Z caindo inconsciente. Foi em direção a ele e logo o segurou.
      O continente já dava para ser visto a algumas centenas de metros abaixo. X fazia um esforço incomensurável, devido ao peso das mochilas e a dor que ainda sentia. Avistou uma mata e também uma via. Ficou num impasse – não sabia se descia no meio da mata ou se ia rumo à via, que sabia que era uma construção feita por hominídeos do outro gênero; a sua espécie tinha um certo temor dos outros hominídeos. Logo ambos chegaram ao solo, num dos extremos da estrada. Depois de cerca de um minuto, X desfaleceu.

     
     
Após se banhar num lago, um grupo de hominídeos do outro gênero caminhava por uma trilha, em retorno a uma estrada. O caminho pedregoso pouco era desconfortável aos resistentes pés descalços. Um jovem de três anos, o que equivale a um Homo sapiens de cinco anos na maturidade, se queixava do percurso.
      – Você já está grande para colo, Deoé – censurou Jopaó, sua irmã. Eu lhe disse que andaríamos muito.
      – Droga de tempo! – reclamou Oló, prima de Jopaó. – Parecia que o tempo estaria aberto, pelo menos até o anoitecer...
      – Eu gostaria de voar como uma fejuj (como é conhecido o hominídeo do outro gênero, na língua da cidade do grupo)... – desejou Deoé. – Eu não entendo como elas (como esta espécie vive em sociedade matriarcal, palavras femininas são usadas quando há universalidade de gêneros) podem voar, se não têm asas...
      – Vamos debulhar mais rojopalé (nome de uma nova espécie de tamarindo, na língua da cidade do grupo)? – sugeriu Xuorpav, outra hominídea do grupo, indo a uma reentrância.
      Deoé, Oló, Jopaó e Zopó, outra hominídea do grupo, foram atrás.
      Chegaram a um canto, onde havia algumas dezenas de árvores de dois metros de altura, em média, repletas de vagens violeta. Foram arrancando as vagens e trincando-as, fazendo eclodir diversas sementes azuladas, que eram logo comidas, sendo que algumas iam ao chão.
      Ouviram-se grunhidos vindos de trás de alguns arbustos. Assomou-se um bando de animais semelhantes aos mustelídeos (família da doninha), evoluídos da ratazana, portanto parentes não tão distantes dos animais semelhantes aos didelfídeos que emitiram sons ensurdecedores contra X e Z. O bando ficou encarando os hominídeos, que, a princípio, foram recuando devido ao instinto de defesa; mas os hominídeos passaram a avançar, gritando e fazendo gestos; e as pequenas feras passaram a recuar, mas um do grupo, de maior coragem, avançou em direção a Jopaó, mordendo-lhe a perna direita, fazendo-a gritar de dor. Com a perna, Jopaó arremessou a fera para longe, que acabou se embrenhando numa folhagem. A hominídea contundida foi dar uma olhada no ferimento e, com o poder da mente, esvaiu a dor em questão de minutos. Oló tirou a fita de sua cabeça, cortou-a com os dentes e atou o ferimento de sua prima.
      Após meia-hora, os hominídeos já estavam numa estrada que conduz à cidade deles. Apesar de não sentir dor, o grave ferimento de Jopaó tingiu o pano de vermelho.
      – Tem certeza de que vai querer se acasalar na próxima noite? – perguntou Oló. – Não poderia deixar para outro plenilúnio?
      – Ora! O ferimento não é tão grave, e a curandeira deverá deixar a perna quase como nova.
      A próxima noite será a primeira noite de lua cheia, depois que Jopaó completou nove anos. As fêmeas desse gênero só ficam férteis durante o plenilúnio. Jopaó não era obrigada a se acasalar na próxima noite, mas esta fazia questão. Chuorpav (como o alfabeto greco-latino não mais existe, tanto faz escrever Chuorpav como Xuorpav, contanto que não fuja da pronúncia) divisou algo e estacou. Os demais também passaram a olhar para um canto. A cinquenta metros, estavam X e Z ainda inconscientes. Ficaram estáticos olhando para os desfalecidos até que Oló começou a caminhar vagarosamente em direção a eles. Os demais foram atrás.
      – Cuidado! Pode ser uma armadilha para nos abduzir, como fizeram com a nossa avó! – alertou Jopaó para Oló.
      Quando já estavam a uns dez metros de X e Z, X acordou. No que viu os hominídeos do outro gênero, liberou uma aura laranja; a aura dessa cor é na verdade uma forma de defesa, já que simula uma chama, afugentando assim as feras. Apesar de saberem que não se tratava de uma chama, os outros hominídeos afastaram-se às pressas. X voltou a desfalecer. Os outros hominídeos passaram a observar a distância.

      – Então é verdade que elas brilham! – comentou Deoé.
      – Vamos logo dar o fora daqui! – sugeriu Zopó, já se afastando.
      Os demais foram também se afastando, mas Jopaó parou e voltou a olhar para X e Z.
      – O que foi Jopaó? – perguntou Oló. – Vamos logo sair aqui!
      – Não podemos deixá-las daquele jeito! Têm feras andando por aqui. Se fosse uma armadilha, já estaríamos nas mãos delas – disse Jopaó, voltando a caminhar em direção a X e Z.
      Os demais, mesmo não gostando muito da idéia, também retornavam em direção aos hominídeos do outro gênero.
      – Estão feridas – reparou Xuorpav.
      – Que roupas estranhas – comentou Zopó.
      – Vejam só! Elas não possuem unhas, e que aparência infantil elas têm – reparou Oló.
      – Também, com esses maxilares pequenos em relação a um crânio bem abaulado na região do osso frontal – comentou Jopaó.
      – O que são essas coisas nos braços? – perguntou Deoé, reparando nos relógios.
      – Elas também usam mochilas – reparou Chuorpav.
      – Vamos abrir as mochilas. Talvez encontremos algum medicamento – sugeriu Jopaó.
      As mochilas foram abertas, e foram encontradas roupas e garrafas vazias, que foram postas de volta às mochilas.
      – Vamos levá-las à cidade – disse Jopaó, indo segurar Z, pelos ombros.
      Oló e Zopó, cada uma puseram uma mochila nas costas.
      Jopaó e Oló seguraram Z, respectivamente pelas espáduas e pernas, e Chuorpav e Zopó seguraram X pelos ombros e pernas, respectivamente. Deoé ficou um pouco afastado, ainda temeroso. Logo, o grupo retornava a caminhada em retorno à cidade.
      – O que devem ser essas coisas cobrindo os pés? – perguntou Xuorpav, reparando nos calçados.
      – Jopaó e Oló, que história é essa da avó de vocês ser abduzida? – perguntou Zopó, que ainda não conhecia a história.
      – Minha avó era ainda moça – foi Jopaó, contando a história. – Estavam ela e mais duas amigas numa praia, até que surgiram dezenas de seres levitando, com algumas segurando uma grande rede. Elas atingiram-nas com dardos, e elas ficaram inconscientes. Elas despertaram; quando retornaram à cidade, souberam que todos estavam as suas procuras e que havia se passado quase um mês.
      O grupo estacou. A cinquenta metros à frente, atravessando a estrada, havia um bando de aves robustas e altas – as adultas medem mais de dois metros de altura. São aves evoluídas da galinha-d’angola, mansas, porém, se provocadas, têm força para matar um hominídeo, com uma patada. As aves se embrenharam numa mata, e os hominídeos recomeçaram a caminhada.

      Após mais cinquenta minutos de caminhada, o grupo chegou a sua cidade. Os hominídeos do gênero do grupo também não possuem países, e sim cidades-estado espalhadas por todo continente africano. A cidade tem pouco mais de quarenta mil hominídeos, com casas retangulares de cores variadas, variando também no número de pavimentos. As ruas estavam repletas de hominídeos, a grande maioria de cútis negra; havia também alguns estrangeiros de pele de outra cor: marrom escuro, bege e cinza-azulado. Também havia diversas espécies de animais. Num curral, havia animais que lembravam porcos, mas eram paquidermes de apenas meio metro de altura, evoluídos do elefante africano. Numa esquina, assomou-se um enorme eqüídeo evoluído da zebra, conduzido por uma hominídea; o animal mede três metros de altura; possui patas grossas, por possuir a mesma corpulência dos elefantes do holoceno e a pelagem é toda negra. Uma hominídea saiu de uma espécie de granja, carregando, segurando pelas pernas, uma ave, que olhando de longe, um Homo sapiens diria que era uma galinha, mas é uma ave já adulta, evoluída do avestruz. A uma janela de uma construção, um hominídeo acariciava o que parecia ser um gatinho, mas é um felídeo já adulto, tendo o leão como antepassado.
      Logo, uma multidão foi se aproximando do grupo, atraída pela curiosidade.
      – Deoé, vá a casa, que nós vamos à casa da curandeira – disse Jopaó.
      O grupo chegou à casa de uma hominídea já bastante idosa para a espécie – quarenta e cinco anos. Uma multidão de curiosos estacou em frente a casa. A anfitriã olhou para X e Z, com certa curiosidade e mandou que os colocassem num grande tapete. As mochilas foram postas num canto.
      – O que foi isso na perna? – perguntou a Jopaó.
      – Uma posé me mordeu.
      – Então vou cuidar primeiro de seu ferimento. Das fejujs, eu cuido depois. Reré, traga-me o frasco verde – pediu a anciã.
      Reré é um primata que pertence a uma espécie evoluída do babuíno. É um primata de andar ereto e sem cauda. Graças a uma convergência evolutiva, seus pés e mãos são semelhantes aos dos extintos humanos e atuais hominídeos. Não tem o dom da fala, mas, inteligência o suficiente para executar determinadas tarefas.
      Foi buscar a solicitação, enquanto a curandeira foi a uma estante pegar materiais para o curativo. Logo a anciã estava aplicando um líquido na ferida de Jopaó. O líquido arde tanto quanto o mertiolato do tempo do Homo sapiens, mas Jopaó preparara a sua mente, não sentindo assim, nenhuma ardência. Após aplicar o líquido, cobriu a ferida com um tipo de tecido e amarrou-o com um tipo de barbante.
      Logo a anciã estava atendendo X e Z, com estes já despidos e sobre uma mesa.
      – Vejam só! São dois machos – disse Zopó.
      – Nada grave, é mesmo uma espécie frágil – disse, após examiná-los por três minutos.
      A curandeira pediu que Reré trouxesse um frasco vermelho, e foi fazer os curativos nos enfermos. Após fazer os curativos, com a ajuda de Jopaó, foi vestindo X, e Oló e Xuorpav foram vestindo Z. A anciã embebeu um pano com um líquido do frasco vermelho e aproximou o pano nos narizes de ambos, que acabaram se estrebuchando; por fim abriram os olhos.

      Ergueram-se assustados e ficaram sentados. Temerosos olhavam para os hominídeos do outro gênero e Reré. X reparou nos curativos e enviou uma mensagem para Z, dizendo para também reparar neles. X e Z ficaram mais tranqüilos, já que notaram que foram medicados. Levantaram-se, ficando ambos com os pés sobre a mesa; levitaram e pousaram no chão, deixando os outros presentes ao recinto, impressionados. Assustado, Reré se retirou do local.
      Z fez um gesto aproximando uma das mãos à boca já aberta.
      – Acho que está com sede... – deduziu Oló.
      A anciã foi pedir para Reré trazer água, até que viu que ele não estava por perto. Foi à cozinha e retornou com uma jarra com dois copos sobre o gargalo. Apontou o vaso em direção aos enfermos, e cada um pegou um copo. A curandeira impregnou os copos com água, e X e Z foram se aliviando da sede.
      – Incrível! Não disseram uma palavra até agora – comentou Zopó.
      – Eu não entendo como elas fizeram aquelas grandes construções, se não se comunicam – disse Oló.
      – Elas devem se comunicar por sinais ou escritas – opinou Chuorpav. – Quem sabe, as luzes que saem delas não seja uma forma de comunicação...
      X e Z levitaram em direção às mochilas; pegaram-nas e as puseram sobre os corpos. Z enviou uma mensagem para X, perguntando em como agradecer. X pensou por alguns segundos e sugeriu que fossem deixados os relógios como alguma lembrança. Tiraram os relógios e foram entregá-los à anciã, que os pegou e ficou observando-os. Após entregarem os relógios, levitaram para fora da construção e se depararam com uma multidão de curiosos, que ficou espantada ao reparar nos pés dos hominídeos da outra espécie um pouco acima do chão. A anciã e mais os que os trouxeram também foram para fora da casa. X e Z passaram a subir, deixando ainda mais espantada a multidão, que ficou admirada vendo X e Z subirem até sumirem de vista.
      A multidão se aproximou dos que estavam com X e Z enquanto eram medicados.
      – De onde elas vieram? – perguntou alguém da multidão.
      – Não sabemos. Não emitiram um som, e, mesmo se dissessem algo, não falariam a nossa língua – respondeu Jopaó.
      – O que são esses objetos? – perguntou alguém da multidão, reparando nos relógios.

      – Não sei... Respondeu a anciã. – Eu vou doar estes objetos à Casa Azul (museu que guarda objetos de outras cidades), isto é, se administrador do museu aceitar objetos manufaturados pelas fejujs.
     
     X e Z, a quilômetros de altura, estavam à expectativa de receberem freqüência de alguma cidade. Às suas esquerdas, havia um arrebol ocasionado pelo sol poente. Logo seus cérebros captaram freqüências vindas de uma cidade, e logo ambos já sabiam que se tratava de uma cidade que fica a duzentos quilômetros a sudeste da cidade deles. Após cinco minutos, uma construção despontava no horizonte, e logo voavam próximo ao topo dela, que, não demorou, foi ficando para trás, e o sol foi se ocultando no horizonte, mais célere; e o arrebol se esvaiu. Não demorou e uma outra construção foi despontando do horizonte.
      X e Z foram chegando à cidade. Próximo a eles, milhares de hominídeos saíam da construção ou entravam. Z enviou uma mensagem despedindo-se de X e rumou ao seu lar. X também foi rumando a sua morada.
      No banheiro de uma residência, uma hominídea banhava uma criança, que apesar de ter quase três anos completos, ainda era um bebê – a espécie atinge a maturidade aos trinta anos (sexo masculino) e vinte e cinco anos (sexo feminino). Os cérebros de ambos receberam mensagens, dizendo que alguém estava em frente à janela da sala. A criança ainda não sabia decifrar diversas mensagens. A hominídea envolveu o bebê em uma toalha e foi à sala. Chegando ao recinto, avistou X e foi descerrar a janela. Logo marido e esposa se encostaram, e fluíram de seus corpos auras rosadas – cor que aparece em momentos de afeto. A hominídea perguntou sobre o curativo, e X respondeu que não era grave.
      Logo, X recebeu mensagens incompreensíveis – o bebê ainda estava aprendendo a telepatizar. A hominídea informou que a criança já estava fazendo suas primeiras levitações. X olhou para o seu filho e esticou os braços, emitindo sinais simples para que o bebê pudesse compreender, pedindo para a criança vir em sua direção. O bebê ergueu-se a poucos centímetros do chão e foi, vagarosamente e oscilante, levitando em direção a X. A toalha foi se desenrolando, e foi ao chão. Após um minuto, o pai agarrou o filho e abraçou-o, e saiu novamente uma aura rosada de X. O bebê ainda não tinha o dom de emitir aura dessa cor.
      Após uma hora, com o bebê já dormindo, X, enquanto jantava, narrava para sua esposa a sua viagem, desde quando estava na antiga América do Sul; o agravo que ocorreu com este e Z e o contato que ambos tiveram com os hominídeos do outro gênero.
     
     – Que história é essa de vocês trazerem fejujs para a cidade? – perguntou a mãe de Jopaó a sua filha, que chegava a sua casa. – Esqueceu-se do que fizeram com a sua avó?
      – Nós o achamos feridos na estrada, eram dois machos. Eles podiam ser vitimados por feras...
      Logo, Jopaó estava no seu quarto, olhando-se ao espelho e ajustando a tiara. Sons vinham de fora, produzidos por aves noturnas que têm o abutre africano como antepassado. Já fazia planos para seu futuro filho, de preferência que fosse do sexo feminino.
      A luz no quarto começou a bruxulear – a brisa de fora atuava na chama da vela. Jopaó dirigiu-se à vela para afastá-la da janela. Após pegá-la, reparou nos grandes olhos das aves, que, numa convergência evolutiva, lembravam os das corujas. Superstições diziam que ver os grandes olhos dessas aves significa sorte para o filho que irá nascer. Apesar de não crer muito em superstições, Jopaó ficou alegre com a visão.
     

     Chegou a noite do acasalamento. Fêmeas e machos estavam agrupados em grupos distintos, em um campo iluminado por centenas de tochas (a espécie ainda não dominou a eletricidade). As fêmeas estão enfileiradas, cada uma com seu traje especial. Os machos estavam no centro do campo, um ao lado do outro, em duas fileiras. Logo as fêmeas foram em direção aos machos e puseram-se a passear próximo a eles. Os machos começaram a exalar odores – nessa espécie, os sisos deram origem a carapaças próximas às orelhas, que exalam odor de sedução –, que logo chegavam às narinas das fêmeas, deixando-as excitadas. A atenção de Jopaó voltou-se para um macho franzino de quinze anos. Esta também liberou uma fragrância, que chegou a narina do macho.
      Enquanto isso, as demais fêmeas e machos trocavam seus odores. Algumas fêmeas disputavam um único macho, por meio de odores. Jopaó segurou uma das mãos do macho, e ambos foram em direção a uma das tochas. Jopaó pegou-a e foi com o escolhido a uma mata. Em meio às árvores, Jopaó acomodou a tocha num canto (a tocha possui uma base, para ficar apoiada).
      Logo ambos foram se despindo até ficarem completamente nus.
      – Qual o seu nome? – Perguntou Jopaó
      – Nebpadé.
      Ambos se abraçaram.
      Após duas horas, Jopaó chegou a sua casa, já inseminada. Daqui a sete meses, (tempo de gestação da espécie) irá parir. Seu futuro filho provavelmente só conhecerá o pai, de vista – os machos da espécie só atuam como fecundadores, na formação de família. Não raramente, já ocorreu de fêmeas serem inseminadas pelos seus pais, sem estas saberem.
     
     Passaram-se mais de dois anos. X, Z e outros hominídeos estavam no último pavimento da cidade. X segurava umas das mãos de seu filho. A esposa de X estava com o ventre protuberante, devido a um feto no seu décimo mês de gestação. Além da esposa de X, havia dezenas de hominídeas de ventre abaulado, incluindo a esposa de Z. Os ventres variavam no tamanho, conforme os tempos de gestação.
      As fêmeas posicionaram-se num canto. Um líder espiritual se posicionou à frente delas e impôs uma das mãos, saindo dela uma aura branca, que logo foi abalroando nas entranhas de cada hominídea.
      Os pais dos fetos trocavam mensagens telepáticas, desejando felicidades para os nascituros.

      Oló, Chuorpav e seu filho, Olbpu; Jopaó e sua filha, Colbpó estavam num barco a um quilômetro da costa. Com a exceção de Colbpó e Olbpu, que só olhavam, estas seguravam uma rede de pesca. Acima da rede, havia um bando de aves marinhas, com a pretensão de filar o pescado. São aves que têm o pombo como antepassado.
      Nos polegares de Oló, Jopaó e Colbpó, havia cicatrizes de cortes que foram feitos em sinal de luto, devido à morte da avó de Jopaó e Oló, há uma semana.
      – Já podemos puxar – deduziu Oló.
      As três foram puxando a rede, e logo centenas de peixes já estavam no convés. Jopaó pegou um peixe do tamanho da palma de sua mão: um peixe de formato circular evoluído da arraia. Esta pegou um facão e carneou o pescado, retirando-lhe diversas vísceras. Depois deu a carne a sua filha e Olbpu.
      Colbpó e Olbpu têm respectivamente dois e três anos de idade, mas a jovem fêmea é mais madura que o jovem – como se fosse um Homo sapiens de seis anos. Já Olbpu é como se fosse um Homo sapiens de cinco anos. Daqui a sete anos, Colbpó já será uma adulta, enquanto Olbpu ainda estará no começo da adolescência.
      Ambos foram trincando as carnes cruas e mastigando-as.
      Logo, os cinco avistaram centenas de pontos que voavam a quilômetros de altura.
      – O que são aquelas aves? – perguntou Colbpó, após engolir a carne.
      – Devem ser fejujs – respondeu Jopaó.
      – Por falar em fejujs, a minha mãe teve um sonho estranho – foi comentando Xuorpav. – No sonho, ela vira diversas silhuetas, que se dividiram em dois grupos. Um grupo se transformou nas fejujs; e o outro, na nossa espécie. Minha mãe, que gosta de brincar de interpretar sonhos, deduziu que nós e as fejujs viemos de uma mesma espécie.
      – Talvez a sua mãe esteja certa... – foi comentando Jopaó. – Antes de minha avó morrer, ela passou a se lembrar do que ocorrera com ela e suas amigas, quando estavam nas mãos das fejujs. Elas foram levadas para uma daquelas grandes construções. Quando acordaram, já estavam amarradas a uma cama, num recinto. Uma fejuj, por meio de uma seringa, injetou algo pelas suas vulvas. Depois as fizeram dormir, e elas acordaram num outro recinto. Pela janela, viram que estavam dentro de uma daquelas grandes construções. Após algumas semanas, as três tiveram aborto involuntário; elas foram inseminadas, e pelo visto as fejujs queriam criar híbridas, mas houve incompatibilidade. Depois as puseram para dormir e acordaram no mesmo local onde foram raptadas, e estavam sem a memória do que ocorrera com elas.
      – Vejam só!  – exclamou Xuorpav, estupefada.  – Isso quer dizer que nós não somos tão diferentes assim das fejujs...
      E os cincos ficaram a contemplar os pontos se deslocarem até sumirem de vista.
 

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